quinta-feira, 3 de junho de 2010

VÍCIO

Uma das maiores desgraças do ser humano é o vício. Não ter forças suficientes para vencer a guerra contra este inimigo impiedoso e cruel é uma das coisas que mais machucam um viciado. Ser incapaz de dizer “não” àquilo que o fere, que o envergonha e que o mata, é realmente lastimável. É desesperador constatar que um momento chega para cada viciado quando o carro da polícia para na frente da casa e ele sabe por que; quando o filho adolescente encontra suas revistas pornográficas; quando ele sofre um acidente de carro enquanto se expõe sexualmente; quando o dinheiro gasto com a última prostituta iguala o preço dos sapatos que seu filho precisa.
Normalmente, o viciado tenta aliviar o desespero experimentando de novo a obsessão. Ele inicia cada vez uma nova volta no círculo vicioso. Eles reprovam-se, confessam seus pecados a Deus, fazem e quebram resoluções. Marcam sempre novas datas para a última “viagem”. Quando as tentativas de auto-administração falham, como geralmente ocorre, a auto-estima cai nas profundezas e o viciado sente-se compelido a buscar consolo em seu comportamento obsessivo. Desta forma, ele dá mais uma volta na espiral do vício. E aí, seus vícios florescem de sentimentos que brotam das tentativas humanas de administrá-los. Geralmente as pessoas cometem pecados para aliviar sofrimentos causados por outros pecados.
Alguém já definiu o vício como “uma ligação complexa, progressiva, injuriosa e, geralmente, inabilitante, com uma substância (álcool, heroína, barbitúricos) ou comportamento (sexo, trabalho, jogos) na qual uma pessoa busca compulsivamente uma mudança de sentimento”.
O que motiva um vício é um anseio. Um anseio não só do cérebro, do ventre ou da virilha, mas, em última instância, do coração. É por isto que se diz que a busca do viciado, no final das contas, é por transcendência. Vício diz respeito às nossas fomes e sedes, à nossa preocupação final, ao apego e anseio de nossos corações. O vício diz respeito, em última instância, à idolatria. O viciado fará qualquer coisa por seu vício, incluindo morrer por ele. Há um ponto na vida de cada alcoólatra em que ele canta sua própria versão do hino Castelo Forte, composto por Martinho Lutero: “Se temos de perder família, bens, prazer, se tudo se acabar e a morte enfim chegar, eu vou encher a cara”.
Agostinho certa vez disse sobre a escravidão da vontade: “A violência do hábito pelo qual mesmo a mente que não o deseja é arrastada e mantida”. Agostinho se moveu entre as passagens bíblicas de Gálatas 5:17 e Romanos 7:22-25. Estes textos falam da luta entre a carne e o espírito, da guerra interior que perdemos sempre que queremos o que é certo, mas fazemos o que é errado. Agostinho falava por experiência própria sobre sua longa batalha contra a luxúria: “A temível, inexplicável e, finalmente fantasmagórica dinâmica do mal moral é que nos aprisionamos nele”. Como em toda tragédia, o inimigo tanto está dentro de nós quanto está do lado de fora. O grande bispo de Hipona ainda disse o seguinte: “Eu estava preso não por ferros impostos por alguém, mas pelo grilhão de minha própria escolha. O inimigo agarrou minha vontade e fez uma corrente para manter-me prisioneiro. A conseqüência de uma vontade distorcida é uma paixão. Pela servidão a uma paixão, um hábito é formado, e o hábito que não se resiste torna-se necessidade. Por esses elos conectados um ao outro, uma dura escravidão mantém-me sob controle”.
Todo viciado precisa dar um passo difícil, o primeiro dos famosos doze passos. Paradoxalmente, ele precisa ajudar a si mesmo admitindo que não pode ajudar a si mesmo. Precisa realizar o ato corajoso e altamente responsável de reconhecer a impossibilidade de dirigir e controlar sua própria vida. O viciado precisa abandonar o desconcertante jogo de esconde-esconde. Em sua alma o viciado foge de si mesmo, evita a si mesmo, se esconde de si mesmo. Somente ao reconhecer sua incapacidade o viciado estará pronto para ser recuperado. Somente então o caminho estará aberto para o retorno a uma vida saudável. Retorno que levará tempo, vigilância e apoio de outros seres humanos, alguns deles, profissionais. Contudo, só a decisão de abandonar o vício não basta! Como todos os pecadores, o viciado também precisa dolorosamente desaprender velhos hábitos. Ele precisa desmantelar velhos cenários, pagar velhos débitos. Só assim ele poderá prosseguir resoluto na estrada da recuperação.
Não é porque uma pessoa é dependente de um vício que ela deixa de ser pecadora. Conquanto seja difícil abandonar o vício, mesmo assim, aquele ato é pecado. Pecado involuntário também é pecado! Mesmo quando um viciado não tem poder para agir contra a força de seu vício, ele ainda pode assumir a responsabilidade pelo mal moral que pratica, e esse mal moral pode, e deve ser, chamado de pecado. Sendo assim, a solução está não apenas no tratamento apropriado, mas também no arrependimento. Desta maneira, o viciado precisa não só do Deus que sara, mas do Deus que perdoa. Como todos os pecadores, o viciado precisa de higiene espiritual, porque assim como o pecado, o vício e a miséria andam sempre juntos. Assim também andam juntas a confissão, a cura e o longo processo de redenção.
Reconheço e não posso deixar de registrar que os vícios geralmente incluem o pecado, mas pode acontecer de existirem vícios que não são pecaminosos. Devemos analisar cada caso. É o caso de vício adquirido intra-uterinamente. Bebês que já nascem viciados devido o vício de suas mães. O caso de uma pessoa clinicamente esquizofrênica ou deprimida, ela se apega a substâncias viciantes buscando alívio para sua doença. Não quero ser injusto com tais pessoas chamando-as de pecadoras.
Que Deus tenha piedade e ajude aquelas pessoas que carecem desesperadamente de ajuda para saírem da situação lastimável na qual se encontram.

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