segunda-feira, 14 de junho de 2010

ALEGRIA


No livro de Phyllis McGinley, “Observação dos Santos”, conta-se a história de Melanchton, amigo do peito de Lutero. Melanchton era um homem frio, enquanto que Lutero era férvido. Melanchton continuou sendo um monge mesmo depois de ter se ligado à Reforma Protestante. Um dia Lutero perdeu a paciência com a virtuosa descrição de Melanchton, e então berrou: “Por amor de qualquer coisa, por que você não sai por ai e peca um pouco? Deus merece ter alguma coisa pela qual perdoar você!”
Alegria não é uma emoção efêmera, não é um jato de boas emoções que vem quando o tempo meteorológico e o mercado de ações estão certinhos. Alegria não é algo que encomendamos, compramos ou arranjamos, não é uma exigência do discipulado cristão, antes, é uma conseqüência. Alegria não é o que nós precisamos adquirir a fim de vivenciar a vida em Cristo. Alegria é o que vem a nós quando estamos andando no caminho da fé e da obediência.
Alegria não é a mesma coisa que prazer. O prazer é uma experiência que existe somente no presente. Segundo Freud, trata-se de uma descarga de energia represada, cujo protótipo é o orgasmo. Realizada a descarga, o corpo volta a um estado de repouso, sem desejo. A partir de então, a pessoa não busca mais o objeto. Talvez o que Amnon tenha sentido por Tamar depois de a “possuir.” Já a alegria não é descarga é reunião. Mesmo quando passa a experiência, a memória permanece com saudade, algo parecido acontece quando acabamos de ouvir uma boa música. Quem dera que o fim nunca chegasse! Que a beleza nunca terminasse! Ninguém chora de prazer, mas choramos de alegria.
Neste contexto de definição do que não é alegria, vale lembrar que é erro vulgar supor que um semblante melancólico seja índice de coração agraciado. Não existe um único texto nas Escrituras Sagradas que mencione a proeminência dos ossos como evidência da graça. Se fosse assim, “o esqueleto vivo” deveria ser exibido, não apenas como uma curiosidade da natureza, mas como padrão de virtude. Alguns dos maiores velhacos do mundo têm sido na aparência tão mortificados como se vivessem de gafanhotos e mel silvestre.
John Piper em seu livro “Teologia da Alegria”, diz o seguinte: “Tragicamente, muitos de nós fomos ensinados que o dever, e não o deleite é a maneira de glorificarmos a Deus. Não aprendemos que o deleite em Deus é nosso dever! Satisfazer-se em Deus não é um acréscimo opcional ao verdadeiro cristão, é a exigência mais elementar de todas: "Agrada-te do Senhor". (Sl. 37:4). Portanto, não é uma sugestão, é uma ordem, assim como são "Servi ao Senhor com alegria". (Sl. 100:2) e "Alegrai-vos sempre no Senhor". (Fp. 4:4)”. Infelizmente, alguém nos convenceu que seriedade é diferente de alegria, responsabilidade é diferente de felicidade e compromisso é diferente de sorriso.
Piper tenta resgatar a verdade de que espiritualidade e alegria andam juntas. Se observarmos corretamente esta questão na Bíblia, perceberemos que o povo de Israel era um povo muito festivo. Anualmente eles comemoravam pelo menos sete festas: Páscoa, Colheita, Primícias, Lua Nova, Trombetas, Purim e Expiação. Algumas destas festas duravam até oito dias. Festas de casamento duravam, normalmente, duas semanas. Estas comemorações expressavam um dia ou período de grande alegria religiosa. A Exceção era festa da Expiação. Nesses festivais os homens reconheciam a Deus como seu provedor, lembravam-se do livre e ilimitado favor do Senhor para com eles. As festividades eram caracterizadas por sacrifícios, orações, comida, presentes, música e grande alegria. Os jejuns estavam proibidos. Eram feitos churrascos de carneiros e bezerros que eram servidos com vinho e regados com danças e músicas. Todas as festas existiam como gratidão pelas abundantes bênçãos de Deus. E estas celebrações eram feitas com grande alegria e isto era mandamento de Deus.
O povo recebeu a seguinte ordem: Alegrar-te-ás perante o Senhor teu Deus, na tua festa, tu e teu filho, e tua filha, e o teu servo, e a tua serva, e o levita, e o estrangeiro, e o órfão e a viúva, que estão no meio de ti. Lembrar-te-ás de que foste servo no Egito. Sete dias celebrarás a festa ao Senhor teu Deus, porque o Senhor teu Deus há de abençoar-te em toda a tua colheita, e em toda obra das tuas mãos, pelo que te alegrarás totalmente. (Dt.16:14,15)
Percebam, o sentido religioso não era incompatível com o prazer nas coisas terrenas e temporais. Toda aquela alegria, que se expressava daquela forma, eram recebidas como oferta suave pelo Senhor. É por isso que algumas vezes encontramos Deus desprezando e abominando aquelas festas: “De que me importam os vossos inúmeros sacrifícios, diz o Senhor. Estou farto de sacrifícios de carneiros e da gordura de bezerros cevados; no sangue de carneiros e de bodes não tenho prazer. Basta de me trazer oferendas vãs: elas são para mim abominação”. (Is.6)
O desprezo de Deus em Isaías não era porque as festas em si mesmas fossem de pouca espiritualidade. A repudia do Senhor era porque os israelitas se haviam desviado dos verdadeiros propósitos espirituais. Deus não estava censurando o sistema de festas e sacrifícios que Ele mesmo estabelecera. Ele estava condenando a hipocrisia dos participantes: “As vossas festas, a minha alma as detesta: elas são para mim um fardo; estou cansado de carregá-lo. Não posso suportar iniqüidade associada a solenidade. Lavai-vos, purificai-vos! Tirai da minha vista as vossas más ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem! Buscai a justiça (justiça social), denunciai os opressores! Defendei o direito dos pobres e necessitados”.
Deus não admitia a falsidade dos participantes. As pessoas celebravam o Seu nome, mas não o amavam. Imagine se no seu aniversário você tivesse que comer, cantar e se alegrar com pessoas que não te respeitam e que não se importam com você? Deus ama as festividades. Foi Ele quem instituiu as festas para alegria do Seu povo. Jesus comparou o Reino de Deus a uma festa de casamento com um grande banquete. No único relato que temos da infância de Jesus, Ele tinha ido a uma festa. Jesus participava das festas religiosas, de casamento e dos jantares oferecidos pelos publicanos. Jesus freqüentou tantas festas que chegou a ser chamado de comelão e bebedor de vinho.
É lamentável como evitamos falar desta característica humana da personalidade de Jesus. É impressionante como a humanidade de Deus nos incomoda. Porque nos incomoda? Porque queremos ser mais espirituais que o próprio Deus. Exorcizamos tudo que é terreno e material para vivermos num mundo apenas espiritual. Isto, quando o próprio Deus, que é espírito, quis se tornar carne, possuir um corpo, ser homem.

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