O relato da crucificação feito por Marcos em seu Evangelho nos mostra que vários sentimentos estavam presentes no coração das pessoas que acompanhavam a crucificação: Ódio, falsidade, inveja, raiva, espanto, incredulidade, perdão, amor... e muitos outros.
Existe um sentimento que, apesar de não ser citado diretamente, está presente na maioria das pessoas: a dúvida. Pilatos não tinha certeza se Jesus era ou não quem dizia ser: “És tu o rei dos judeus?”. A multidão que pediu para crucificar foi a mesma que anteriormente bradou: “Hosana ao que vem em nome do Senhor”.
Isto prova que eles estavam com o coração dividido, inseguro e duvidoso. Ao que parece, nem todos os soldados estavam certos de estar fazendo a coisa certa. O líder deles, o centurião, convenceu-se de que Jesus era realmente o Filho de Deus. Num outro lugar, é dito que até mesmo entre os fariseus houve discordância sobre a morte de Jesus. Nicodemos, que sepultou a Cristo, e ao que parece tornou-se um discípulo de Jesus, era fariseu. A palavra dos fariseus a Jesus em Marcos 15:32 deixa transparecer a incerteza em seus corações.
A dúvida não é um sentimento presente apenas na mente dos céticos e incrédulos. Ela faz parte da nossa fragilidade como seres humanos. Somos criaturas limitadas no poder, no conhecimento e na perspectiva. Não vemos como deveríamos ver, e muitas vezes duvidamos do que vemos. “Vemos como em espelho, obscuradamente”. (I Cor. 13:12) C.S. Lewis certa vez escreveu uma carta a um amigo que dizia o seguinte: “Creio que meu problema é falta de fé, não tenho base racional para voltar aos debates que me convenceram da existência de Deus. Mas a sobrecarga irracional dos antigos hábitos de ceticismo, mais o espírito desta era, mais os cuidados de cada dia, roubam de mim toda sensação agradável da verdade. E muitas vezes, quando oro, penso se não estou enviando uma carta para um endereço inexistente. Veja bem, não penso assim – minha mente racional está completamente convencida. Porém, muitas vezes, eu me sinto assim”.
Certa vez um homem disse a Jesus: “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé”. (Mc. 9:24) Estas palavras expressam com perfeição a ansiedade de muitos corações convertidos ao Senhor. A verdade é que muitas vezes, diante de várias situações cremos, mas temos medo; cremos, mas não estamos seguros quanto ao que desejamos; cremos, mas achamos que não merecemos tamanha graça; cremos, mas ainda somos incrédulos. Esquecemos que da mesma forma como não somos nós que criamos a fé, nós também não podemos comandá-la. Daí a necessidade de clamar ao Senhor como aquele homem: “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé”.
É surpreendente o número de cristãos que preferem não falar sobre a dúvida. Existem pessoas que se recusam até mesmo a pensar nela. Para estas pessoas admitir que a dúvida existe é o mesmo que insultar a Deus, é acreditar que este sentimento é sinal de fraqueza intelectual ou espiritual, é revelar algo impróprio, é ter medo de parecer idiota. O problema é que ao sufocar a dúvida, a fé fica estagnada. No caso do homem que pediu ajuda na sua falta de fé, bem como na dúvida de Tomé, o que lhes permitiu superar as fronteiras da incredulidade foi a capacidade de reconhecer as limitações e dificuldades. Eles não esconderam suas dificuldades sob o manto da falsa piedade, das afirmações desconectas da vida.
Um dos grandes problemas do homem é que ele anseia por atalhos, e estes, geralmente, nos afastam do crescimento. Se Jó não passasse pelo que passou ele não teria sido o grande homem que se tornou. Alguém já disse que ”Uma fé como a de Jó não pode ser sacudida, pois é o resultado de ter sido sacudida”.
Analisando esta tendência humana de não querer enfrentar os dilemas da vida, Kierkegaard, afirmou o seguinte: “Os cristãos são como os estudantes de matemática que desejam olhar as respostas dos problemas no final do livro, em vez de resolver os problemas”. A dúvida é um convite para crescer na fé e no entendimento, e não algo que deva nos levar ao pânico ou à preocupação. “Os enigmas de Deus algumas vezes são mais satisfatórios e didáticos do que as Suas respostas”. (Chesterton)
A dúvida sempre será uma característica permanente da vida cristã por dois motivos. Primeiro, por causa do nosso pecado. A desconfiança em Deus fez parte do primeiro pecado cometido pelo homem. A serpente levou o primeiro casal a questionar as promessas e proibições de Deus. O pecado muitas vezes nos leva a desconfiar das promessas divinas. Portanto, devido ao pecado que nos acompanhará enquanto estivermos neste mundo, a dúvida será uma companhia sempre presente em nossas mentes: “Agora, vemos como em espelho, obscuradamente.. agora, conheço em parte” (I Cor. 13)
O segundo motivo pelo qual a dúvida sempre será uma característica permanente da vida cristã é por causa da fragilidade humana. Todos nós temos os nossos limites! Há muita coisa que não podemos fazer, ver ou saber, porque não somos divinos. Nossa mente minúscula é incapaz de compreender verdades deste universo de Deus e do próprio Deus. Não adianta tentar entender tudo, que não vamos conseguir.
Talvez o nosso maior problema resida no fato de que quando não somos capazes de entender algo por completo, duvidamos de que aquilo seja verdade. E aí, interpretamos a nossa incapacidade de entender alguma coisa como sinal de que esta coisa não é verdadeira, muito menos real. O que acontece é que a verdade é muito diferente disto. Existem coisas no mundo – inclusive o evangelho e suas verdades – que são grandes demais para a nossa mente alcançar. A grande questão é aprender a conviver com este dilema.
Imagine que alguém queira ver as estrelas. Isto é impossível de dia, será preciso esperar a noite chegar. Mas as estrelas não estão no mesmo lugar durante o dia? O que acontece é que o olho humano não é preciso o suficiente para percebê-las durante o dia. Somente com a escuridão da noite é que o homem consegue ver as estrelas. As estrelas não precisam da escuridão para existir, contudo, o homem precisa da escuridão para visualizá-las. O mesmo acontece em relação a Deus. Assim como nossos olhos não enxergam as estrelas de dia, nossa mente não consegue captar a plenitude de Deus. O problema é como vemos as coisas, e não como elas realmente são.
Nosso orgulho nos leva a acreditar que temos de conseguir provar sem sombra de dúvida que determinadas coisas (por exemplo, a existência de Deus) são verdade, mas não é assim. Estar preparado para aceitar as limitações é parte essencial do crescimento na fé. Saber que eu jamais saberei determinadas coisas faz parte da santificação. Compreender que existem mistérios que são incompreensíveis é progredir na fé!
Ironicamente, só quando usamos o raciocínio começamos a entender os seus limites. “A razão é a última etapa para se perceber que há um número infinito de coisas que está além dela. A razão é simplesmente medíocre se não chega ao ponto de entender isto”. (Pascal) O que foi que Shakespeare falou a Horácio? “Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que jamais sonhou sua vã filosofia”. Albert Einstein ao escrever à rainha Elizabeth da Bélgica, afirmou o seguinte: “O ser humano foi dotado de inteligência para ser capaz de enxergar com clareza como essa inteligência é totalmente inadequada quando se confronta com o que existe”.
Nada mais natural do que querermos ver e saber cada vez mais, contudo, precisamos aceitar que existem limites para o que conseguimos entender e para o que podemos provar. Ignorar isto é tentar enxergar as estrelas em plena luz do sol. Ignorar as nossas limitações é dizer: “não consigo ver as estrelas de dia, então elas não estão lá”. Isso é confundir nossa percepção com a realidade. A forma como enxergamos as coisas não é necessariamente, como elas são. Portanto, pode ser que muitas dúvidas de nossa mente estejam lá por causa do nosso orgulho ou pela falta de humildade em reconhecer que existem verdades que jamais serão conhecidas.
O que precisamos fazer diante desta realidade, é descansar em Deus, e isto é fé. E como fé não é algo que produzimos, mas é algo que Deus nos concede, precisamos clamar para que Ele nos ajude diante de nossas angústias, dúvidas e anseios: “Eu creio, ajuda-me na minha falta de fé”.
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