quinta-feira, 1 de julho de 2010

COMO LIDAR COM A DÚVIDA (II)

Se já não bastassem os dilemas e mistérios da fé, vivemos em uma cultura que por princípio, duvida de tudo e costuma considerar que o compromisso com uma crença é o pior dos pecados seculares. Como dizia René Descartes: “A única coisa de que podemos ter certeza é a dúvida”. Contudo, esta postura de questionar todas as coisas é na verdade um anseio por segurança, um desejo por ser capaz de conhecer tudo com total certeza. Só que esta certeza é reservada a um grupo muito pequeno de crenças. Coisas que são evidentes ou passíveis de demonstração, como “2 + 2 = 4”, “O todo é maior do que suas partes”. Podemos ter certeza absoluta de que estas duas proposições são verdadeiras, no entanto, entender que “o todo é maior do que suas partes”, não vai revolucionar as nossas vidas. Descobrir que “2 + 2 = 4”, não nos dará a resposta para o significado da vida.

Grande parte das verdades do cristianismo se apóiam na fé e não em certezas absolutas. Por exemplo, o nascimento virginal de Cristo, a plena humanidade e a plena divindade de Cristo, o céu e o inferno... Estas coisas são aceitas como verdadeiras unicamente pela fé, não temos como provar que elas são verdadeiras.

Só que tem um detalhe que deve ser levado em consideração, o cristianismo não está sozinho! Qualquer visão de mundo – até o ateísmo – não possui provas suficiente para defender as suas crenças. Crer em Deus requer um ato de fé, assim como não acreditar nele também requer fé. Nenhuma visão de mundo tem certeza absoluta em todas as suas ideologias. Aceitar a Jesus exige um salto de fé, mas o que acontece com a decisão de rejeitá-lo? Aceitar o cristianismo requer fé, isso vale também para o ato de rejeitá-lo.

Ninguém pode provar com certeza absoluta que Jesus é o Filho de Deus, Salvador da humanidade, contudo, ninguém pode provar o contrário com certeza absoluta. A decisão, qualquer que seja ela, repousa na fé. Há um elemento de dúvida em cada caso. Foi por isto que Pascal afirmou que: “A fé, as vezes se parece com uma aposta. Se eu creio em Deus e você não crê em Deus, e se Deus realmente não existe; quando morrermos, nós dois saímos perdendo. Agora, se eu creio em Deus e você não crê em Deus, e se Deus, realmente existe, quando morrermos, eu ganho tudo e você perde tudo”.

E tem mais um detalhe, a crença nas verdades bíblicas e na existência de um Criador, possuem evidências muito mais confiáveis do que as crenças e ideologias dos ateus. Em “Cristianismo puro e simples” C.S. Lewis afirma que “O cristianismo possui excelentes credenciais em todas as áreas”. Em “Não tenho fé suficiente para ser ateu”, Norman Geisler nos lembra que “Os ateus precisam de muito mais fé do que os cristãos p/ sustentar suas ideologias”.

Sobre este dilema a respeito da fé, um escritor americano (Sheldon Vanauken), que cursou Oxford e lá passou por angústias terríveis em sua fé, afirmou o seguinte: “Há um abismo entre o provável e o provado. Como atravessá-lo? Se era para eu apostar toda a minha vida no Cristo ressurreto, eu queria provas, queria certezas. Desejava vê-lo comer um pedaço de peixe, esperava que letras de fogo cruzassem o céu. Não recebi nada disso. Foi uma questão de aceitar, ou rejeitar. Havia outro abismo atrás de mim! Talvez o salto para a aceitação fosse uma aposta aterrorizante, mas, e quanto ao salto para a rejeição? Poderia não haver a certeza de que Cristo era Deus, mas não havia certeza de que ele não fosse. Não dava para suportar! Eu não podia rejeitar Jesus. Depois que vi o abismo atrás de mim, só havia uma coisa a fazer. Virei as costas para ele e me atirei sobre o abismo que levava a Jesus”.

Que testemunho fantástico! É verdade que algumas coisas do cristianismo não podem ser provadas e são aceitas unicamente pela fé? Sim é verdade! Mas o mesmo pode ser dito para aqueles que rejeitam o cristianismo. Suas ideologias não podem ser provadas, eles o aceitam unicamente pela fé.

Certa vez centenas de pessoas abandonaram a Jesus. Qual foi o motivo? A mensagem de Cristo, as Suas ideologias. Diante daquela situação, Jesus virou-se para os discípulos e lhes fez a pergunta: “Quereis vós também deixar-me?”. O que foi que Pedro respondeu? “Para quem iremos nós?” - “Havia outro abismo atrás de mim!” - E o fim da resposta de Pedro foi: “Só tu tens as palavras de vida eterna” - “Eu não podia rejeitar Jesus. Depois que vi o abismo atrás de mim, só havia uma coisa a fazer. Virei as costas para ele e me atirei sobre o abismo que levava a Jesus”.

O que estou querendo dizer é que a dúvida, nem sempre significa descrença. Significa que entre as promessas imutáveis de Deus e a forma como elas são ministradas a nós, existe uma lacuna muito grande que nem sempre é compreendida por cada um nós. É aquela velha história: Se Deus me ama por que Ele permite o meu sofrimento? Se Deus é bondoso por que Ele permitiu que aquilo acontecesse com aquela pessoa? Se Deus é poderoso por que Ele permite tanta coisa ruim neste mundo? Não sabemos dar respostas a estas e a tantas outras questões.

Temos fé que apesar de tantas atrocidades, Deus é, ao mesmo tempo soberano e amoroso. Contudo, em alguns momentos, nossa fé neste Deus soberano e amoroso, fica enfraquecida. Por isto a importância da palavra daquele pai: “Eu creio, mas ajuda-me na minha falta de fé”. Eu creio que o Senhor é soberano, mas me ajude a crer nisto quando alguém que eu amo morrer. Eu creio que o Senhor é amoroso, mas me ajude a crer nisto quando vejo o mal prevalecendo. Eu creio que o Senhor controla todas as coisas, mas me ajude a crer nisto quando vejo a corrupção proliferando cada vez mais. “Eu creio, mas ajuda-me na minha falta de fé”.

C.S. Lewis comentando sobre o significado da fé disse o seguinte: “Minha mente está completamente convencida, por provas mais que suficientes, de que os anestésicos não me sufocam e de que os competentes cirurgiões não começam a operar antes que eu esteja inconsciente. Mas isto não impede que, estando eu na mesa operatória, ao me colocarem a terrível máscara no rosto, eu seja tomado por um pânico inteiramente infantil. Começo a pensar que vou ser asfixiado e temo que comecem a me cortar antes de eu estar inconsciente. Em outras palavras, perco minha fé nos anestésicos. Não é a razão que me faz perder a fé, mas a minha imaginação e as minhas emoções. Ou consideremos um menino aprendendo a nadar. Sua razão sabe muito bem que um corpo humano, mesmo sem apoio nenhum, não afunda necessariamente na água; ele já viu muitas pessoas boiando e nadando. Mas a questão é se ele será capaz de continuar a crer nisto quando o instrutor tirar a mão e deixá-lo sozinho na água”.
Para Lewis, o problema da dúvida não é necessariamente racional, mas emocional. Existe entre nossas emoções e nossa razão, um descompasso que não pode ser ignorado.

Calvino reconheceu este conflito entre o racional e o psicológico na experiência da fé. De um lado ele definiu a fé nos seguintes termos: “Podemos ter uma definição correta da fé se dissermos que ela é um conhecimento firme e constante da benevolência divina em direção a nós, que é fundamentada na verdade da graciosa promessa de Deus em Cristo, revelada em nossas mentes e selada em nossos corações pelo Espírito Santo”. Num outro momento ele afirmou o seguinte: “Quando afirmamos que a fé deve ser certa e segura, não temos em mente uma certeza sem dúvidas ou uma segurança sem ansiedades. Pelo contrário, afirmamos que os crentes têm uma luta perpétua com sua própria falta de fé, e estão longe de possuir uma consciência pacífica, nunca interrompida por distúrbio algum”.

Ao comentar o texto de Marcos 9 onde o pai pede a Jesus para ter a sua fé aumentada, Calvino disse o seguinte: “Este pai declara que crê, mas também confessa sua incredulidade. Embora essa afirmação pareça inconsistente, de fato não existe ninguém que não experimente esta mesma sensação interior. Fé perfeita não se encontra em lugar algum; portanto, todos nós somos parcialmente incrédulos. Mas, em sua bondade, Deus nos perdoa e nos conta entre os que crêem, a despeito da nossa pequena porção de fé. De nossa parte, reagimos contra a incredulidade que permanece em nós e lutamos contra ela pedindo ao Senhor que nos corrija. Sempre que lutamos, precisamos voltar para Deus em busca de conforto. Se considerarmos cuidadosamente o que Deus tem dado a cada um de nós, ficará claro que dificilmente alguém terá uma fé forte, poucos uma fé mediana e a maioria de nós terá somente uma pequena medida de fé”.

Calvino, Lewis e o pai deste jovem possesso nos lembram que a fé não estará sempre em atuação, nem será forte o tempo todo. Sendo assim, seguiremos crendo e não crendo. Sendo assim, nos momentos de dúvida, nossa oração deve ser: “Ajuda-me na minha falta de fé”. Nos momentos de incredulidade, devemos dizer: “Ajuda-me na minha falta de fé”. Nos momentos de angústia devemos pedir: “Ajuda-me na minha falta de fé”. Nos momentos em que a fé vacilar, devemos clamar: “Ajuda-me na minha falta de fé”.

Todos nós passaremos por situações na vida em que manter intacta a nossa fé será algo complicado. Neste momento, não podemos fingir ser heróis da fé. Precisamos reconhecer nossas limitações e, assim como fez aquele pai, clamar por ajuda e socorro: “Eu creio, contudo, ajude-me na minha falta de fé”.

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