O contexto em que essa palavra de Jesus foi proferia é muito parecido com o momento em que vivemos hoje. Um mundo onde homens e mulheres estão espiritualmente obscurecidos e confusos, uma sociedade de pessoas que estão alheias ao relacionamento com Deus, avessos a tudo o que diz respeito às Escrituras Sagradas. Vivemos hoje numa cultura hedonista onde as pessoas só pensam no seu bem estar e não estão nem aí para o próximo.
Este é um contexto terrível, lamentável, preocupante, em alguns casos, irreversível! Este é um ambiente aonde reina aquilo que é exatamente o oposto de tudo aquilo que Jesus descreve aqui. É um contexto aonde habita a injustiça, o entretenimento, a imoralidade, a mentira, o relativismo. Este é o mundo onde os bem-aventurados precisam viver. Estes são dias de crianças deixadas no lixo, de crianças jogadas dos prédios. Dias de filhos que assassinam os seus pais, de uma rebeldia crescente, de assassinatos inimagináveis, de pecado, de iniqüidades, de transgressões. Estes são dias complicadíssimos para exercer as características das bem-aventuranças.
O que significa misericórdia?
Primeiro, a misericórdia não é algo natural. Olhe para as crianças brincando num berçário, elas não possuem a tendência de ser misericordiosas. Você acha que isso melhora quando crescemos? De forma alguma! Quando crescemos somos ensinados a camuflar o nosso egoísmo, mas a verdade é que ele está muito vivo dentro de cada um de nós!
Por não ser algo natural o misericordioso consegue orar pelos seus inimigos: “Pai, perdoa-lhes porque eles não sabem o que fazem”. Ao invés de repudiar os seus inimigos, o misericordioso busca suprir as necessidades deles: “Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer, se tiver sede, dá-lhe de beber”. Ao invés de abandonar os que estão nas trevas da ignorância, o misericordioso se esforça para resgatá-lo. Eles se gastam a si mesmos com o objetivo de conduzir o incrédulo a Cristo: “Porque, no meio de muitos sofrimentos e angústias de coração, vos escrevi, com muitas lágrimas, não para que ficásseis entristecidos, mas para que conhecêsseis o amor que vos consagro em grande medida”. (II Cor. 2:4)
Segundo, a misericórdia nos leva a ter um sentimento de compaixão por pessoas que passam por problemas sérios. Neste mundo afetado pelo pecado, existem muitas pessoas que precisam de nossa compaixão: Doentes, solitários, famintos, injustiçados, presos... O desalento dessas pessoas toca profundamente no coração daquele que é misericordioso O infortúnio dessas pessoas tocou no coração de Jesus: “Vendo as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não tem pastor” (Mt.9:36) A compaixão de Jesus estendia-se àqueles que não tinham ninguém para cuidar deles.
Terceiro, a misericórdia nos leva a tomar uma atitude diante daquilo que enxergamos. A misericórdia é o amor demonstrado em favor de quem vive em desgraça. Ela abrange tanto um sentimento de bondade quanto um ato bondoso. Não existe apenas o desejo de ajudar, existe muito mais do que a simples intenção! O misericordioso é impulsionado a tomar uma atitude para que a situação que aflige o outro seja aliviada. É o caso do bom samaritano, ele agiu! Ele não apenas sentiu tristeza, ele fez alguma coisa. Ele se dispôs a ajudar, ele colocou em prática os seus sentimentos. Ele amou de forma prática aquele homem necessitado!
Quarto, a misericórdia não é demonstrar amor às custas da justiça. A misericórdia não é complacente. O complacente finge que não vê o que é errado, deixa as coisas acontecerem... O complacente passa a mão por cima do pecado, ele faz vistas grossas ao erro. O misericordioso também é justo e verdadeiro. Ele não vê o erro e se cala. O misericordioso se preciso for, utiliza de disciplina, usando de misericórdia. Como disse Che Guevara, “Endurecer, sem jamais perder a ternura.”
Por que os misericordiosos agem assim?
Primeiro, eles são motivados a agir com misericórdia porque eles mesmos receberam misericórdia. Os misericordiosos percebendo a sua total incapacidade diante de Deus, foram redimidos pelo Senhor. “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos e pecados, nos deu vida juntamente com Cristo”. (Ef. 2:4, 5) Eles sabem que Deus utilizou de misericórdia para com eles, sendo assim, eles não se esquecem de tão grande bênção e a sua reação também é a misericórdia.
Eles são completamente diferentes do servo da parábola do credor incompassivo (Mt. 18) Certo homem devia um valor astronômico ao rei, e para o seu azar, o rei resolveu ajustar as suas contas com aqueles que o deviam. Ele tinha uma dívida impagável: 10.000 talentos. Ele não tinha a menor possibilidade de escapar, contudo, ele clamou por ajuda e livramento! O rei perdoou aquele homem, quitou a sua dívida e o despediu em paz. Ao sair da presença do rei, encontrou-se com um colega que lhe devia 100 denários. Comparada com os 10.000 talentos, esta dívida era uma ninharia, algo irrisório, ínfimo! Apesar disto, este homem agarra o seu colega pelo pescoço e diz: “Pague-me o que me deves!” Este conservo clamou por ajuda assim como o amigo fizera com o rei. Contudo, aquele que fora perdoado não quis perdoar a dívida do seu devedor. Lançou o homem no cárcere.
Esta parábola mostra exatamente o oposto da misericórdia. Os misericordiosos são aqueles que agem com misericórdia porque receberam misericórdia no passado. Os misericordiosos não têm problema de memória, eles lembram do que lhes aconteceu.
Segundo, eles são impulsionados pela misericórdia contínua derramada sobre as suas vidas. Os misericordiosos compreendem que Deus os perdoa diariamente. Eles experimentam lutas diárias por causa dos seus pecados. Eles corroboram a fala de João: “Se dissermos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos”. Mas eles também dizem: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar”. Quem é continuamente perdoado por Deus, usa de misericórdia porque sabe que depende do perdão p/ viver.
Terceiro, eles são impulsionados a exercer misericórdia pela sua necessidade da misericórdia no futuro. “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”. Eles sabem que foram alvos da misericórdia de Deus no passado, são no presente e serão no futuro. Segundo as Escrituras, os que exercem misericórdia receberão do Senhor misericórdia como recompensa. (II Sm. 22:26) = “Para o misericordioso, misericordioso te mostras”, (Tg. 2:13) = “O juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia.” (II Tm. 1:16,17) = “O Senhor conceda misericórdia à casa de Onesíforo, porque, muitas vezes, me deu ânimo e nunca se envergonhou das minhas algemas; antes, tendo ele chegado a Roma, me procurou solicitamente até me encontrar.”
Alguém já disse que na vida devemos aprender a “estocar misericórdia”. Os misericordiosos sabem que chegará um dia em que eles precisarão enfrentar lutas, inúmeros problemas, o diabo, o mundo, as tentações deste mundo, enfermidades... E quando este momento chegar, eles precisarão da misericórdia divina sobre suas vidas.
Uma questão que deve ser pensada quando se fala de misericórdia é a relação do físico com o espiritual. Há uma grande discussão sobre onde devemos nos concentrar para tentar aliviar as necessidades do próximo. O que é mais importante, o corpo ou a alma? O que deve ter a nossa maior atenção, a ação social ou pregação da Palavra? Devemos fazer as duas coisas! Sempre foi assim na história do Cristianismo. Aonde o Evangelho chegou, junto com ele chegou a prosperidade material. Os hospitais surgiram por causa da igreja. O povo cristão, movido pelo sentimento de compaixão pelos enfermos, começou a fazer algo no tocante as enfermidades físicas. Os primeiros hospitais foram fundados por cristãos. Além disso, as escolas surgiram por causa da igreja. Ao ver a necessidade do povo de aprender a ler e escrever, a igreja construiu lugares para alfabetizar o povo. A Reforma Protestante exerceu o maior estímulo possível às ciências, à pesquisa científica e ao estudo.
Devemos fazer as duas coisas sim! Porém, devemos lembrar que o físico não é a prioridade. Jesus curou a sogra de Pedro, a notícia se espalhou pela cidade. Todos os doentes vieram até Ele para serem curados, e Jesus os curou. No outro dia, mais doentes procuraram a Jesus para serem curados, e Jesus lhes disse: “Eu preciso ir a outras cidades e pregar, pois foi para isto que eu fui enviado.” (Mc. 1:38) Devemos aliviar o físico destas pessoas sim, mas a prioridade é a alma destas pessoas! Se não fizermos isto, cairemos no erro de outras religiões, enviaremos pessoas bem vestidas e bem alimentadas para o inferno. Todo o dinheiro do mundo não vale a alma de uma criança pobre que mora na rua.
Como podemos nos tornar misericordiosos?
Primeiro, esteja atento as atitudes que vão contra a misericórdia. Isolamento egoísta. Muitos adotam o seguinte discurso: “O mundo tem muitos problemas... eu não posso resolver isto”. Esta foi a atitude dos discípulos quando Jesus pediu-lhes para alimentar a multidão. Eles disseram: “O povo está com fome, mande-os para casa. Não podemos fazer nada!”. Se Jesus seguisse o conselho dos discípulos e mandasse a multidão embora, os próprios discípulos ficariam com fome, afinal, como 5 pães e 2 peixes alimentaria 13 homens? Se seguirmos o conselho dos discípulos e dispensarmos a multidão, nós passaremos fome!
Cinismo. O discurso de tais pessoas é o seguinte: “Existe muitos aproveitadores nos dias de hoje”. É verdade que muitas pessoas fingem ser necessitadas quando na verdade não o são. Estas pessoas tiram proveito da nossa bondade, misericórdia... O problema é chegarmos ao ponto de dizer: “Tá todo mundo fingindo! Ninguém precisa de ajuda”. O cinismo acaba com a misericórdia!
Insensibilidade. Nunca na história da humanidade isto aconteceu com tanta freqüência. Rádio, TV, Internet... constantemente nos mostram pessoas que sofrem... Na maioria das vezes não podemos fazer nada com a miséria destas pessoas. Contudo, não podemos nos tornar indiferentes com aqueles que batem à nossa porta.
Segundo, lembre-se do que você seria se Deus não tivesse dispensado misericórdia sobre a sua vida. Quem você seria? Onde você estaria se não fosse a misericórdia divina? Refletir sobre isto nos impulsiona a agir com misericórdia.
Terceiro, arrume tempo para ser misericordioso. O ativismo nos impede de sermos misericordiosos. Quando você está muito atarefado e alguém bate na sua porta, qual é a sua reação? “Eu não acredito! Não é possível!” “Logo agora que estou cheio de coisas para fazer!” “Justamente hoje que a minha agenda está lotada?” John Newton dizia que quando alguém o interrompia, era Deus que desejava que ele parasse. Deus nos deu tempo suficiente para fazermos tudo que Ele quer que façamos. E Ele nos deu tempo para demonstrarmos misericórdia.
Quem são os misericordiosos? São aqueles que se incomodam, se sensibilizam, possuem uma profunda simpatia com aqueles que sofrem. São aqueles que possuem um grande interesse pelos que passam por situações complicadas em suas vidas São aqueles que agem e livram as pessoas dos seus sofrimentos, das suas angústias, das suas misérias.
“Bem-aventurados os misericordiosos porque eles alcançarão misericórdia”.
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